Barba McCoy e Outras Histórias
Barba
McCoy nasceu de um delírio, numa época em que eu amava a vida de maneira como
não se deve amar – pelo menos não tanto assim. Mesmo no segundo casamento e já
com três filhos pequenos, a ânsia de beber – e principalmente comer o mundo –
ainda tomava conta de mim, tal qual na adolescência.
Minhas
prioridades então não eram nada condizentes com as de um pai-de-família
tradicional. Surfar, beber “y otras cositas más” eram sempre minhas primeiras
escolhas. Uma bussola “sui generis” que, além de afastar-me do caminho para a
obtenção do titulo de “Bem Sucedido” também resultou em destituir-me do trono
familiar.
Naquela
época, embora encontrasse alegria em diversos lugares, a experiência de ter
filhos era a que mais me agradava. Sem apologias ou sentimentalismos, quanto a
eles, a palavra AMOR é insuficiente
para adjetivar o que sentia (e sinto) por eles, desde quando chegaram por estas
bandas. Mesmo sem ter os padrões cronológicos bem definidos, guardo a emoção de
cada momento que passamos juntos: risos, cheiros (e fedores), conversas, lutas,
“artes”, broncas, cumplicidade, amizade...
Um
dos momentos que eu mais gostava era quando eles me pediam para que lhes
contasse histórias, geralmente na hora de dormir. Quase sempre deitados, olhos
fixos em mim, esperavam o “Era uma vez...”.
Não,
não eram histórias pré-fabricadas, daquelas que todos contam a seus filhos. Eu as
inventava naquele exato momento em que a expectativa deles exigia de mim uma
narrativa apropriada. Então um objeto qualquer no quarto ou a lembrança de algo
corriqueiro (muitas vezes ambos) se juntava ao que eu recordava de um filme ou
música. E na forma de um delírio, começava mais uma “epopeia”, daquelas que nem
eu tinha ideia de como seria. A ação ia-se descortinando no exato momento da
narração. E ganhava forma, encorpando-se à medida que os olhares dos meus
espectadores-mirins, esbugalhados, expressavam, mais que curiosidade, interesse
real. Olhos atentos, movimentos nervosamente involuntários e risos impacientes
eram o combustível ideal para a criação espontânea. E tudo o que pairava a
nosso redor ia se encaixando – ideias, palavras, personagens...
Muitas
dessas histórias tinham vida curta – duravam apenas aquela noite. Outras foram
tão marcantes que, invariavelmente, suas continuações eram exigidas. Nesses
casos, personagens eram mantidos e o que mudava era o desenrolar dos
acontecimentos. Como as histórias da “Bola Azul”, onde os meninos eram tragados
por uma bola (azul, claro) que aparecia em um determinado lugar e os
transportava para outra dimensão, onde, num mundo azul (...) várias aventuras
aconteciam. Tinha também a do “Multi Homem”, um cara muito atrapalhado que fora
atingido por um minúsculo pedaço de um planeta mágico, bem no momento em que
estava na sala-dos-espelhos de um parque - sozinho, com milhares de imagens
suas refletindo-se ao seu redor. Tal acidente então lhe deu “poderes”, fazendo
com que ele se transformasse involuntariamente em tudo o que pensasse ou
falasse. Poder este que lhe causava mais efeitos colaterais que benefícios...
E
teve a do Barba McCoy, que surgiu de um jeito diferente. O que era somente para
preencher a lacuna de um momento sem inspiração acabou sendo uma história com
muitas continuações (capítulos, eu diria). Tamanha era minha paixão por contar
a saga do Barba (e a dos meninos em ouvi-las) que, uma vez, minha “ex-posa” (na
época esposa) pediu-me para alugar um filme do Barba McCoy. Eu não acreditei! E
quando disse a ela que o Barba era apenas o delírio criativo da minha mente
doentia, que eu tinha inventado todas aquelas histórias, vi as expressões do
seu olhar alternando-se por três fases quase ao mesmo tempo: incredulidade,
tristeza e gargalhadas, nessa mesmíssima ordem! Tão real que era a saga do
Herói...
Sim,
por ora falarei a vocês sobre Barba McCoy. Primeiro, para entender você tem que
procurar uma musica chamada Papa Barkoye, da excelente banda de reggae Alpha
Blondy (pode ser em https://youtu.be/m4XWtLF1k4Y). Aí, escute essa musica umas 4 ou 5 vezes, de
preferência sem tentar entender o que ele está dizendo (isso vai ser fácil) –
apenas sentindo a melodia. Então, com a minha “versão” em mãos, escute a música
outra vez, devagar, tentando encaixar a minha “versão” ao que escutar. Leia
cada frase somente quando ele estiver cantando aquele trecho... Como se fosse
exatamente a letra da música. Leia devagar... Aí é só dar asas aos pensamentos...
Um
último parêntesis: desde pequeno eu era fã do Rock’n roll e suas vertentes. Principalmente
musicas em inglês. Não, nunca fui um poliglota, embora tenha fluência no
espanhol. Meu inglês limita-se a saber que o livro sim está sobre a mesa! O que
me fazia (e ainda me faz) gostar de músicas num idioma desconhecido é
justamente a minha ignorância, pois esta não me deixa aprisionado às ideias
contidas nas suas letras. Meu fascínio tem mais a ver com criação do que com o
sentido em si. Explico-me: cato as palavras que entendo, misturo-as com a
melodia e pronto – cria-se o significado da canção para mim! E, pasmem, passo
anos gostando daquela música que me diz exatamente o que quero! Assim tem sido!
Assim continuará sendo! Assim nasceu
Barba McCoy... Coloque o som e “enjoy it, Joey...”
Clique AQUI e acompanhe a leitura ao som da música
Clique AQUI e acompanhe a leitura ao som da música
Barba McCcoy
Barba McCoy, sou Barba McCoy,
sou eu, surgindo da lama;
Sou Barba McCoy, Barba McCoy,
olha, eu não sou do mal;
Barba McCoy, sou Barba McCoy,
voltei, lutei, sei atirar;
Sou Barba McCoy, Barba McCoy,
olha, eu vim me vingar...
De casa saiu, beijou a mulher, foi viajar,
sua casa então queimaram com a mulher que adorava;
Gente da lei matou sua mulher e filhos – vou vingar,
e ele entrou na noite escura da cidade, pra matar;
E vencerá, e à pé foi lá, até achar, e com o pé
chutar;
o pé foi lá, o pé foi cá, e com os pés matar;
E os capou, depois matou, aqui, bandidos, ali,
quinze, vinte:
“Enterrei na bosta...!!!’;
“Vou cavar, vou cavar, vou-ou-ou-ou: Farei um
cemitério!!”
Eles mataram pra me roubar,
Prefeito, Xerife, vou me vingar;
E no Saloon entrou a atirar,
e o prefeito conseguiu matar;
Não vale à pena implorar,
pois nem a lei eu vou perdoar;
E então depois ele foi chamar,
Xerife e Polícia pra duelar;
Barba McCoy, sou Barba McCoy,
em pé, não durmo na cama;
Sou Barba McCoy, Barba McCoy,
as armas sei usar;
Barba McCoy, sou Barba McCoy,
mijei, deixei a barba;
Sou Barba McCoy, Barba McCoy,
olha só meu bigodão...
E na tarde quente de escaldar,
na rua deserta um tufo a voar;
Seis capangas e o Xerife lá,
e o Barba começou a atirar;
Os tiros começaram a soar,
e sete corpos a despencar;
McCoy coçou o bigode e a barba,
e partiu então soprando sua arma...
Então depois de se vingar,
fugiu sozinho a cavalgar;
e pelo Oeste foi viajar,
“Sou procurado, vão me matar...”;
E vou apenas te falar:
Não vá de medo se cagar;
Se um dia precisar se vingar,
é só meu nome então chamar...
Claro que a história inicial do Barba
McCoy não era EXATAMENTE a que você acabou de ler, pois a original foi um
rompante de um belo momento que ficou para trás. E como geralmente essas
histórias eram contadas com a música original ao fundo, então inúmeras versões
se sobrepunham a cada “recontagem” dela. Mas a ideia inicial dela e meu “Poder
Demente” ainda estão aqui. E, impregnado de amor e saudade dos meus filhos,
aceito de muito bom grado relembrar este momento e por fim escrever a saga do
Barba Mccoy...