...por anos era assim que eu acordava: 04 da manhã, lá estava "ieu" vivendo na minha velha e boa Ponta Negra (Natal/RN)!!

segunda-feira, 25 de março de 2013

Cá estou - Ó nóis aqui tra veiz......


POST – MARÇO 2013-03-22

 

            Sim, eu sei, fazia tempo que eu não escrevia aqui. Novamente culpo o tempo. Esse mesmo tempo que me impediu de estar aqui, hoje me concede esta honra.

            Sei que prometi ser mais constante em meus escritos. Não menti, falhei apenas. Mas cá estou, e novamente prometendo constância – dessa vez é sério!!! Tentarei, ao máximo, cumprir minha promessa.
... o monstro do tempo!!!

            E, falando em promessa, PROMETO que a partir de agora serei breve em meus escritos. Pode acreditar em mim! Sei que nem todos têm tempo e disposição para leituras longas, ainda mais em frente ao computador. Assim. Quando tiver muito para dizer, será em blocos, postados separadamente.
... promessas...

            Bom, vamos ao que interessa. Boa leitura e, comente algo ao final, por favor...

 

O MUNDO DOS ESQUECIDOS

 

Sentado à minha frente numa das muitas mesinhas de plástico dispostas na calçada, um homem. Veste tênis velhos e encardidos sem meias, bermuda cuja cor é impossível definir além do marrom acinzentado e um casaco cinza imundo com touca e dobrado na altura dos punhos. É impossível precisar sua idade, pois não consigo identificar a origem de tantas rugas – se do acumulo de expressões faciais, idade ou ambos.

Sua barba, desgrenhada e suja, com diversos fios brancos encravados nela, assemelha-se a um ninho de pássaro – daqueles bem bagunceiros! Na cabeça, os poucos e imundos fios de cabelo parecem não saber há muitos anos o que é uma tesoura ou um pente.
...não, esse não era o cara de quem eu falei...
 Ele se levanta, ri, junta uma latinha de Coca-cola do chão, senta-se outra vez e leva o canudo que estava já dentro da lata à boca. Ele toma sua coca imaginária e fala sozinho, talvez com um amigo também imaginário. Às vezes se põe a observar as pessoas das outras mesas, os afortunados que consomem algo, felizes por hoje ser finalmente sexta-feira. Para ele talvez o mundo seja um eterno sábado.

Não há sinais de raiva ou remorso em seu olhar. Ele apenas olha. Não pede nada a ninguém, sequer me pediu um cigarro (que bom!). eu vi quando ele chegou e sentou-se ali, ar de deboche. As moças que atendem na lanchonete se benzeram com medo dele e não tiveram coragem de pedir para que desocupasse a mesa. Nem para lhe oferecer algo...
.. do you speak english???
 
Quem é você? Quem foi você? Um esquecido pela sociedade...

Há um mundo de esquecidos pairando ao nosso redor. Gente que não figura nas estatísticas tendenciosamente mentirosas do governo. Pessoas que não consomem, não pagam, não moram, não possuem carnês, não morrem, não almoçam, não vivem aos olhos do Estado. Mas elas existem!

Os esquecidos... será que eles já foram alguém, antes de ficarem assim, vagando a esmo pelas ruas? Se você já se pegou pensando isto, como eu, então eu te pergunto – você acha que por ele ser assim, por se encontrar nesta situação, ele não é ninguém? Te peguei...!!!
... leia e pense!!!

Não sei bem o porquê, desde pequeno sinto um certo fascínio por pelas historias destas pessoas. Como uma curiosidade. Confesso aqui, abertamente, que houve momentos na minha vida que eu quis ser um deles, um andarilho, um sem-teto. Ainda bem que esta ideia não vingou...

De um certo ponto de vista, fascina-me a ideia do tamanho da liberdade que eles têm. Claro que não justifica ter uma vida assim com tantos “contras”, mas pense bem: absolutamente nenhuma prestação a pagar! Ter a liberdade de dormir quando e onde bem entender. Não ser molestado por vendedores, cobradores e demais pragas da mesma espécie – somente por alguns pastores estúpidos, creio eu.  Nãos ser obrigado a fazer as refeições nos horários certos ou em qualquer outro horário. E, principalmente, não ser escravo dos sonhos impossíveis e escravizantes de consumo que nos rodeiam por toda a vida, tal qual um carrasco a definir nossas vontades, nossos destinos. “Você tem que consumir algo melhor do que o que possui – sem este “upgrade” não será feliz, não conseguirá ter o sorriso sincero da bela mocinha ou do galã das propagandas!”...

... a liberdade de um andarilho.

Se você gosta de mim, fique tranquilo. Não estou querendo convencer a ninguém – nem a mim- de que esta é a melhor forma de se viver. Apenas elucubro, divago, viajo na ideia...

Tenho escutado casos de pessoas que tinham uma vida dita normal –casa, carro, filhos até - e de repente sumiram. Nem cartazes e polícia conseguiram encontra-los. Simplesmente evaporaram. E muitos deles simplesmente “enlouqueceram” e, tal qual um Buda ou um Jesus Cristo, saíram andando por aí, totalmente desapegados do mundo material, talvez confusos com a pressão de suas próprias vidas, de suas existências.

Sim, passam fome, frio, sede; têm suas vidas limitadas à própria sorte. Improvisam seus dormitórios como homens das cavernas pós-modernos. Dentes e saúde tornam-se supérfluos, num mundo onde o instinto de sobrevivência é o que os move. Seriam eles a raça humana mais pura em sua essência?

... sem runo, sem casa, sem vida?!?!?!

Mas o que pensarão eles? Isso te interessa? Procure olhar nos olhos de um mendigo quando cruzar seu caminho pelas ruas. Às vezes eu paro algum e lhe ofereço um cigarro, um halls ou um sorriso e vejo que geralmente, mesmo os que não pedem, eles aceitam de bom grado. Uma conversa fiada qualquer... Afinal, no quesito solidão eles são ricos!

Há alguns anos atrás, ao terminar as aulas que eu ministrava no Senac, `a noite, eu pegava o ônibus sempre na mesma parada., no centrão de Curitiba, em frente ao prédio da Receita Federal (lá, onde eles planejam e executam as artimanhas mais ardilosas para roubarem nosso dinheiro). Era inverno, frio, e quase todas as noites havia uma senhora “morando” lá. Ela fazia sua cama com pedaços de papelão, forrados com um daqueles cobertores feios e fininhos, do tipo “tomara-que-amanheça” .Todos os seus pertences rodeavam seus “aposentos” debaixo daquela marquise, incluindo-se aí uma mochila velha e rasgada, um guarda-chuvas destruído e outros apetrechos socados em sacos de lixo.

... um sorriso apenas...

O engraçado é que todas as noites, estivesse ela deitada, sentada ou andando ao redor de si mesma pela calçada, ela ficava vociferando palavras contra o Sistema, o Governo e principalmente contra a Justiça. Não pude deixar de reparar no seu vocabulário, que além de apresentar um português extremamente correto, era recheado de termos jurídicos não muito comuns, ainda mais para uma mendiga...

Aquilo me impressionava muito, pois foi bem na época em que eu estava estudando para um concurso publico todas as noites, digo, madrugadas. Ficava envolto entre textos, apostilas e o “vade mecum”. E eu me punha a pensar sobre a sua origem. Quem seria ela? Quem teria sido antes de tornar-se uma sem-teto maluca? O que teria lhe acontecido para que ela ficasse assim, daquele jeito?

Uma noite ela sumiu. Nunca mais eu soube nada sobre ela. Nada mesmo, mas guardo aquelas noites e estas perguntas comigo, para sempre...

... aceitamos cartão...

Escrevi tudo isto porque vi o velho mendigo sentado ali à minha frente. Ele estava sujo, magro, acabado mesmo, mas não tinha nenhuma expressão de dor ou sofrimento estampadas em seu rosto, naquele momento. Não sei nada sobre ele, só sei que o ato de muitas vezes ignorarmos alguém como ele não me parece o mais correto a se fazer. Afinal de contas, ele é alguém como você e eu. Como eu disse antes, um simples olhar nos olhos, um olhar sem medo ou rancor poderá fazer com que ele se sinta muito melhor naquele momento. Pense nisto – não vai lhe custar nada...

Levanto a cabeça e vejo que o velho se vai. Canudo na boca, bermuda caindo e um andar de quem não carrega nenhum peso ou preocupação nas costas. Ele dá a volta e passa por dentro de uma parada de táxi feita com estruturas de metal e vidro. Dali, parado, fica observando as atendentes da lanchonete, rindo debochado e fazendo-lhes muitos gestos. Não, não são gestos obscenos, são sim indecifráveis, movimentos bruscos e repetitivos com as mãos e os braços. Como se fosse voar, ele vai embora, com a leveza de um pássaro, sem pressa ou preocupação...

...Loucura, Liberdade...

E as balconistas riem entre si, benzendo-se novamente. E hoje, antes de fecharem o local terão que retirar tudo das mesas, inclusive minha xícara, lavar, limpar e organizar tudo, fechar as portas corrediças... E depois elas viajarão algumas horas em seus ônibus lotados para chegarem até suas casas, certamente em lugares muito longe daqui. Para amanhã repetirem tudo outra vez, e outra, até o dia da inevitável decepção de final do mês, quando receberem seus salários.

Escravas do Sistema, repetindo sempre os mesmos passos, dia após dia, em busca de sonhos inalcansavelmente frustrantes, plantados pela sociedade de consumo que nos abriga e envolve a todos.

...cegos por nossas próprias convicções.

E eu aqui, escrevendo, escravo das minhas próprias ideias, das minhas palavras...

.. eu, escravo dos meus escritos...