...por anos era assim que eu acordava: 04 da manhã, lá estava "ieu" vivendo na minha velha e boa Ponta Negra (Natal/RN)!!

quinta-feira, 21 de maio de 2015

HORA DE ACORDAR

21_Maio_2015. Vejo nosso país como está. Ouço rádio, leio jornais e assisto aos telejornais. Não acredito em tudo o que me passam. Mas penso... Penso e me sinto mal quando chego à obviedade do nosso destino sob o domínio dos que estão no poder...

Então escrevo. Escrevi uma PEQUENA (PEQUENA MESMO) historinha sobre o que penso disso tudo. Leia, comente, pense...



HORA DE ACORDAR


Definitivamente, agora era a hora de acordar! Hora de repensar, decidir... de agir! O tempo havia passado muito “daquela” forma, envolvendo-o de tal maneira que até hoje acreditava ser aquela a única forma de agir. Deixara-se levar pelas circunstancias, pelos muitos momentos iguais, principalmente pelos outros. Pelo sistema... Culpado! Sim, sabia que era culpado. Traía cada vez mais a confiança da multidão. Seu povo, seus eleitores, os menos favorecidos, todos eles ainda o aplaudiam, clamavam por uma sobra de suas benevolências financeiras e favores. Desconheciam o submundo podre por onde se envolvera eterna e perenemente. Uma intrincada teia de relações impossíveis de ser desfeita. Um mundo onde as injustiças assumem forma de leis, feitas e gerenciadas por e para homens como ele. Criando um sistema hermeticamente protegido onde o equilíbrio está apoiado nas costas de todo o país. Afinal, como pode existir uma classe superior se esta não se sobrepuser às inferiores?

Por que acordar? Simplesmente pelo prazer de conseguir deitar-se outra vez em seu travesseiro com a cabeça livre de todos aqueles pensamentos que o incomodavam ultimamente. Não eram ideias religiosas ou de arrependimento moral, nada disso. Era apenas ele que se dera conta do custo de todo aquele desequilíbrio monetário a seu favor. Enquanto ele vivia tendo que esconder dinheiro devido ao seu excesso, grande parte das pessoas (incluindo-se aí muitos eleitores seus) morria pela falta do vil metal. Nada de amoral nisso, apenas sentia um desconforto estranho quando o vidro fumê do carro blindado permitia que olhasse nos olhos de um simplório das ruas.
Em tempos de CPIs e delações premiadas tão em voga, talvez esse fosse o momento de sua redenção. Simplesmente gritar, enaltecer as tramoias em alto e bom som, esparramando todo o esterco contra o ventilador – e na potência máxima! Sim, certamente seria punido com isso. Por fazer parte dos esquemas de desvios e propinas (palavras já cotidianas nesse país) teria uma pena a cumprir e alguns bens a devolver. Alguns meses trancafiado – com sorte em sua própria sala de estar bebericando seus maltes escoceses, e logo tudo estaria resolvido.
Então a hora era essa! A hora de enfim fazer o que era certo. Diferente de seus “colegas” que, quando lhes batia o desespero gritavam a plenos pulmões - em plenária - que ganhavam pouco, que tinham que pagar para trabalhar. Isso sem o menor pudor! Para então decidirem não “se”, mas “em quanto” aumentariam seus vencimentos. Não... Era hora de honrar finalmente seu nome, pois o sobrenome já estava demasiado sujo pela ascendência política. Claro que não teria mais futuro político nenhum. Melhor assim... Com os bens e patrimônios “laranjas” que tinha, abriria uma empresa de consultoria e viveria de palestras e livros. Seria como recomeçar do zero, mas com ótimo aporte inicial.

            Acordar... O blackout das janelas não deixava saber se amanhecera realmente – melhor consultar seu Iphone6 no criado mudo. Quase oito da manhã! Saltou rapidamente da cama e, vencendo a vertigem causada pelo brusco movimento, caminhou a passos rápidos até o closet. Melhor tomar uma ducha rápida em vez da hidromassagem costumeira. O terno da vez seria o Armani, e a gravata, bem, Roberto Cavalli pra variar um pouco. Hoje era melhor usar os sapatos da Testoni, pois em dias chuvosos, como o motorista nem sempre conseguia evitar as poças de água, esses “pisantes” não molhariam seus pés.  Grunhiu nãos silenciosos à copeira em resposta ao café da manhã. Sem tempo para saudar o chofer, entrou apressadamente no banco de trás de seu BMW (blindado, claro) e partiu em direção à Assembleia.
Ainda que fizesse parte de um partido aliado ao Governo local, sabia que o retumbar de sua decisão lhe custaria caro. Pois mesmo apresentando todas as provas que tinha à justiça, esta jamais tocaria nos poderosos. No máximo algumas notas na imprensa subversiva, a “não-comprada” por Eles e os digníssimos parlamentares reunidos rejeitariam a instauração de uma CPI. Afinal, o apoio de seus entusiastas correligionários era volúvel – fidelização sempre é derivada de Poder! Algo que perderia tão logo começasse a balburdia. E tudo terminaria assim, ele sendo punido por sua “mea culpa” e pronto! Certamente cassariam seus direitos políticos, e sem nenhum acordo.
Matutava com sua consciência quando o celular o tirou daquele limbo. Daquele sonho. Era o Ministro. Era sua garantia de estar vivo. Parecia ter adivinhado seus pensamentos. Naquele tom celestialmente inquisidor que lhe era peculiar, apenas indicou-lhe o que fazer. Mais uma empalmação a ser dividida. Dinheiro, muito dele. Dinheiro vindo das esferas federais, extraoficialmente destinados às suas necessidades pessoais. Dinheiro resultante de pagamento de grandes corporações que fogem do fisco. Dinheiro oriundo, em qualquer caso, do que o governo legalmente subtrai de quem vive nesse país. Nada diferente de quando os Senhores Feudais extorquiam os vassalos. Ou dos pequenos comerciantes pagando proteção da máfia, à máfia.

A isca das CPIs visíveis já tinha sido mordida pela imprensa amiga e jogada ao povo. Enquanto este grita nas ruas clamando por um basta à corrupção, seus olhos encabrestados miram apenas o que lhes é permitido. Cegas, as pessoas consideram aceitável uma constituição que institui intocabilidade e foro privilegiado a seus representantes. Descaradamente, parlamentares trocam seu apoio por cargos e poderes. Quando um projeto é aprovado na “Casa”, seu valor social já está superfaturado, pois o preço de sua aprovação já provocou mais um rombo nas finanças. Esse é o Sistema Legal vigente; sob essa égide, vive a população.  Um equilíbrio que não é privilégio tupiniquim, senão que um modelo capitalista adaptado à nossa realidade. E tão bem adaptado que é aceito como legítimo.
Era hora de mostrar sua hombridade política e moral. Desvio rápido até o escritório da grande empresa (Fachada S.A.) para recolher seu quinhão. Tirar alguns milhões indevidos de circulação e escoá-los para outro país. Assim manteria a paz e a ordem sociais em dia. O equilíbrio tinha que ser mantido, inclusive para o bem de todos! Assim era o mundo, daquele jeito, o jeito certo de estar. Melhor não tentar mudar as coisas, pois talvez até piorassem...

            Havia desequilíbrio, opções e livre-arbítrio; O mundo agora era como deveria ser. Desígnios. Por ter nascido onde e como nascera, um negro favelado geralmente orbitava àquele redor, seu universo. Escolha divina aliada à opção inconsciente. Muito difícil abandonar sua origem – predestinado a estar sempre abaixo dos demais. Exatamente pelo mesmo motivo que ele, por ter nascido onde e como nascera, era destinado a estar ali, gravitacionalmente ligado ao poder, mantendo a constância daquele universo. Viera de um universo superior e seu destino era permanecer nele.
Certamente teria outra vida para ele se arrepender, outra reencarnação para enfim fazer o certo. Sim, escolheria na próxima vez nascer alguém miseravelmente pobre – assim pagaria todos os seus erros para com Deus, com o cosmo ou o que quer que fosse... Viveria cada momento de suas desgraças conscientemente, regozijando-se  até, para então redimir-se com o Criador. Mas agora era hora de acordar para a realidade de seu destino – o de ser simplesmente Político. E com um sorriso no canto do rosto, simplesmente ligou seu “Ultrabook” e não mais olhou para as ruas...