...por anos era assim que eu acordava: 04 da manhã, lá estava "ieu" vivendo na minha velha e boa Ponta Negra (Natal/RN)!!

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Eu Choro



Choro por Paris e as tantas mortes;
pela jovem que dançava freneticamente:
rock, outro cigarro, outra dose,
o êxtase sublime de estar viva!
Dança despreocupada celebrando a alegria,
alheia à proximidade de seu algoz,
espírito livre - susto, gritos, correria,
tudo tão rápido, tão desconexo...

Choro pelo que morreu e matou, suicida,
um dia criança esculpida pelo ódio,
carregada de dores ideológicas em si:
matar e morrer, o único caminho!
Vingar seus pais, seu país, seus ideais,
libertar seu povo, seu deus, sua dor;
na decisão, amarrar a morte em seu corpo,
alma liberta voando em pedaços...

Choro pelo rebanho de imigrantes vagando,
fuga confusa numa marcha sem rumo,
trocando tradições por um mundo "civilizado",
tornando-se ilegais, mendigos, rejeitados!
Sujam as ruas causando revolta,
semeiam o medo por todo o ocidente,
xenofobia disfarçada em temor:
"Se vão ficar aqui, não saiam de seus guetos!!!"...

Choro pela negra suja e maltrapilha
na aldeia de zumbis perambulando desconexa,
esguia, esquelética, em busca de comida
e da tal dignidade, há muito roubada!
O câncer do ocidente - detrito colonizado,
país redesenhado, tão pilhado e saqueado:
África, um dia berço da civilização,
hoje cemitério - aqui jaz a raça humana...

Choro pelo chinês escravo num navio
produzindo sonhos ocidentais em troca dos seus,
família, lembranças, brincadeiras de criança,
tudo para trás em nome da sobrevivência!
O belo "Nike" importado - sonho de consumo
comprado à prazo - sonho à vista,
ao lado do corpo de um jovem sonhador:
era um lindo tênis vermelho - da cor do seu sangue...

Choro pelo menor descalço na rua,
excluído da nossa redoma confortável:
McDonald's, Papai Noel, Smartphone,
uma criança querendo apenas ser igual!
Frustração que dói bem mais que a fome,
cujo remédio alucina, alivia a dor pelos pulmões:
e fuma, e pede arma, e pede raiva,
e mata para ter seus pés calçados...

Choro pelos sonhos de um homem,
comerciante, já tão roubado pelo Sistema,
bom mineiro, guardou dinheiro no colchão,
e veio a lama e levou-lhe, lavou-lhe os sonhos!
Barro tóxico a criar suas sepulturas,
enterrando vidas, arrastando cadáveres,
sepultando a cidade e suas lembranças:
dinheiro sujo sufocando rios e mares...

Choro, enfim, por quem você vê
e também por quem não conhece;
choro pelas tragédias noticiadas,
e pelas que não saem nos jornais;
choro pelo amanhecer no calçadão,
mendigos acordando com o cheiro do café;
choro pelo olhar do vendedor de cigarros paraguaios,
preocupado com a chegada dos fiscais...

Choro por você que como eu, vive aqui,
nesse mundo desumano e desigual;
instintos à solta - matar e morrer,
destruição de almas, de sonhos, de vidas;
choro por mim, que vejo isso acontecendo
e fico aqui sentado, fumando e escrevendo,
relatando tragédias e tomando outro café
enquanto meus irmãos choram suas dores...