POST – MARÇO 2013-03-22
Sim,
eu sei, fazia tempo que eu não escrevia aqui. Novamente culpo o tempo. Esse
mesmo tempo que me impediu de estar aqui, hoje me concede esta honra.
Sei
que prometi ser mais constante em meus escritos. Não menti, falhei apenas. Mas
cá estou, e novamente prometendo constância – dessa vez é sério!!! Tentarei, ao
máximo, cumprir minha promessa.
... o monstro do tempo!!! |
E,
falando em promessa, PROMETO que a partir de agora serei breve em meus
escritos. Pode acreditar em mim! Sei que nem todos têm tempo e disposição para
leituras longas, ainda mais em frente ao computador. Assim. Quando tiver muito
para dizer, será em blocos, postados separadamente.
... promessas... |
Bom,
vamos ao que interessa. Boa leitura e, comente algo ao final, por favor...
O MUNDO DOS ESQUECIDOS
Sentado à
minha frente numa das muitas mesinhas de plástico dispostas na calçada, um
homem. Veste tênis velhos e encardidos sem meias, bermuda cuja cor é impossível
definir além do marrom acinzentado e um casaco cinza imundo com touca e dobrado
na altura dos punhos. É impossível precisar sua idade, pois não consigo
identificar a origem de tantas rugas – se do acumulo de expressões faciais,
idade ou ambos.
Sua barba,
desgrenhada e suja, com diversos fios brancos encravados nela, assemelha-se a
um ninho de pássaro – daqueles bem bagunceiros! Na cabeça, os poucos e imundos
fios de cabelo parecem não saber há muitos anos o que é uma tesoura ou um
pente.
...não, esse não era o cara de quem eu falei... |
Não há sinais de
raiva ou remorso em seu olhar. Ele apenas olha. Não pede nada a ninguém, sequer
me pediu um cigarro (que bom!). eu vi quando ele chegou e sentou-se ali, ar de
deboche. As moças que atendem na lanchonete se benzeram com medo dele e não
tiveram coragem de pedir para que desocupasse a mesa. Nem para lhe oferecer
algo...
.. do you speak english??? |
Quem é você?
Quem foi você? Um esquecido pela sociedade...
Há um mundo de
esquecidos pairando ao nosso redor. Gente que não figura nas estatísticas tendenciosamente
mentirosas do governo. Pessoas que não consomem, não pagam, não moram, não
possuem carnês, não morrem, não almoçam, não vivem aos olhos do Estado. Mas
elas existem!
Os
esquecidos... será que eles já foram alguém, antes de ficarem assim, vagando a
esmo pelas ruas? Se você já se pegou pensando isto, como eu, então eu te
pergunto – você acha que por ele ser assim, por se encontrar nesta situação,
ele não é ninguém? Te peguei...!!!
... leia e pense!!! |
Não sei bem o
porquê, desde pequeno sinto um certo fascínio por pelas historias destas
pessoas. Como uma curiosidade. Confesso aqui, abertamente, que houve momentos
na minha vida que eu quis ser um deles, um andarilho, um sem-teto. Ainda bem
que esta ideia não vingou...
De um certo
ponto de vista, fascina-me a ideia do tamanho da liberdade que eles têm. Claro
que não justifica ter uma vida assim com tantos “contras”, mas pense bem:
absolutamente nenhuma prestação a pagar! Ter a liberdade de dormir quando e
onde bem entender. Não ser molestado por vendedores, cobradores e demais pragas
da mesma espécie – somente por alguns pastores estúpidos, creio eu. Nãos ser obrigado a fazer as refeições nos
horários certos ou em qualquer outro horário. E, principalmente, não ser
escravo dos sonhos impossíveis e escravizantes de consumo que nos rodeiam por
toda a vida, tal qual um carrasco a definir nossas vontades, nossos destinos.
“Você tem que consumir algo melhor do que o que possui – sem este “upgrade” não
será feliz, não conseguirá ter o sorriso sincero da bela mocinha ou do galã das
propagandas!”...
... a liberdade de um andarilho. |
Se você gosta
de mim, fique tranquilo. Não estou querendo convencer a ninguém – nem a mim- de
que esta é a melhor forma de se viver. Apenas elucubro, divago, viajo na
ideia...
Tenho escutado
casos de pessoas que tinham uma vida dita normal –casa, carro, filhos até - e de
repente sumiram. Nem cartazes e polícia conseguiram encontra-los. Simplesmente
evaporaram. E muitos deles simplesmente “enlouqueceram” e, tal qual um Buda ou
um Jesus Cristo, saíram andando por aí, totalmente desapegados do mundo
material, talvez confusos com a pressão de suas próprias vidas, de suas
existências.
Sim, passam
fome, frio, sede; têm suas vidas limitadas à própria sorte. Improvisam seus
dormitórios como homens das cavernas pós-modernos. Dentes e saúde tornam-se
supérfluos, num mundo onde o instinto de sobrevivência é o que os move. Seriam
eles a raça humana mais pura em sua essência?
... sem runo, sem casa, sem vida?!?!?! |
Mas o que
pensarão eles? Isso te interessa? Procure olhar nos olhos de um mendigo quando
cruzar seu caminho pelas ruas. Às vezes eu paro algum e lhe ofereço um cigarro,
um halls ou um sorriso e vejo que geralmente, mesmo os que não pedem, eles
aceitam de bom grado. Uma conversa fiada qualquer... Afinal, no quesito solidão
eles são ricos!
Há alguns anos
atrás, ao terminar as aulas que eu ministrava no Senac, `a noite, eu pegava o
ônibus sempre na mesma parada., no centrão de Curitiba, em frente ao prédio da
Receita Federal (lá, onde eles planejam e executam as artimanhas mais ardilosas
para roubarem nosso dinheiro). Era inverno, frio, e quase todas as noites havia
uma senhora “morando” lá. Ela fazia sua cama com pedaços de papelão, forrados
com um daqueles cobertores feios e fininhos, do tipo “tomara-que-amanheça” .Todos os seus pertences rodeavam seus
“aposentos” debaixo daquela marquise, incluindo-se aí uma mochila velha e
rasgada, um guarda-chuvas destruído e outros apetrechos socados em sacos de
lixo.
... um sorriso apenas... |
O engraçado é
que todas as noites, estivesse ela deitada, sentada ou andando ao redor de si
mesma pela calçada, ela ficava vociferando palavras contra o Sistema, o Governo
e principalmente contra a Justiça. Não pude deixar de reparar no seu
vocabulário, que além de apresentar um português extremamente correto, era
recheado de termos jurídicos não muito comuns, ainda mais para uma mendiga...
Aquilo me
impressionava muito, pois foi bem na época em que eu estava estudando para um
concurso publico todas as noites, digo, madrugadas. Ficava envolto entre
textos, apostilas e o “vade mecum”. E eu me punha a pensar sobre a sua origem.
Quem seria ela? Quem teria sido antes de tornar-se uma sem-teto maluca? O que
teria lhe acontecido para que ela ficasse assim, daquele jeito?
Uma noite ela
sumiu. Nunca mais eu soube nada sobre ela. Nada mesmo, mas guardo aquelas
noites e estas perguntas comigo, para sempre...
... aceitamos cartão... |
Escrevi tudo
isto porque vi o velho mendigo sentado ali à minha frente. Ele estava sujo,
magro, acabado mesmo, mas não tinha nenhuma expressão de dor ou sofrimento
estampadas em seu rosto, naquele momento. Não sei nada sobre ele, só sei que o
ato de muitas vezes ignorarmos alguém como ele não me parece o mais correto a
se fazer. Afinal de contas, ele é alguém como você e eu. Como eu disse antes,
um simples olhar nos olhos, um olhar sem medo ou rancor poderá fazer com que
ele se sinta muito melhor naquele momento. Pense nisto – não vai lhe custar
nada...
Levanto a
cabeça e vejo que o velho se vai. Canudo na boca, bermuda caindo e um andar de
quem não carrega nenhum peso ou preocupação nas costas. Ele dá a volta e passa
por dentro de uma parada de táxi feita com estruturas de metal e vidro. Dali,
parado, fica observando as atendentes da lanchonete, rindo debochado e
fazendo-lhes muitos gestos. Não, não são gestos obscenos, são sim
indecifráveis, movimentos bruscos e repetitivos com as mãos e os braços. Como
se fosse voar, ele vai embora, com a leveza de um pássaro, sem pressa ou
preocupação...
...Loucura, Liberdade... |
E as
balconistas riem entre si, benzendo-se novamente. E hoje, antes de fecharem o
local terão que retirar tudo das mesas, inclusive minha xícara, lavar, limpar e
organizar tudo, fechar as portas corrediças... E depois elas viajarão algumas
horas em seus ônibus lotados para chegarem até suas casas, certamente em
lugares muito longe daqui. Para amanhã repetirem tudo outra vez, e outra, até o
dia da inevitável decepção de final do mês, quando receberem seus salários.
Escravas do
Sistema, repetindo sempre os mesmos passos, dia após dia, em busca de sonhos
inalcansavelmente frustrantes, plantados pela sociedade de consumo que nos
abriga e envolve a todos.
...cegos por nossas próprias convicções. |
E eu aqui, escrevendo,
escravo das minhas próprias ideias, das minhas palavras...
.. eu, escravo dos meus escritos... |